Quanto à tradição de diálogo à esquerda na Alemanha, devo dizer-lhe que a razão da queda da esquerda alemã nesta década se deveu a razões diversas do caso português. E, pelos vistos, não parece que o SPD, em caso de vitória, tivesse muita disponibilidade em dialogar com o Die Linke, a sua ala renegada. Quanto muito com os Verdes, mas estes ficaram atrás daqueles, insuficiente para 1 maioria governável.
Como houve comunismo na Alemanha Oriental durante 40 anos, a visão de 1 certa esquerda na Alemanha ficou afectada desde a queda do Muro de Berlim, houve uma clara percepção, na Europa Central (e não tanto no Sul do continente, onde estivémos + resguardados das turbulências de 1989 e ainda vivíamos os efeitos recentes de uma revolução que depôs uma ditadura fascista de 48 anos) de que o sistema capitalista tinha obtido uma vitória histórica esmagadora e inquestionável, como afirmou Francis Fukuyama. Claramente, Helmut Kohl e a sua CDU, mas também os outros partidos da então RFA, SPD incluído, participaram numa parada triunfalista em direcção à RDA e, por anexo, a todo o Bloco de Leste. A hegemonia da CDU desde 1981 até ao final dos anos 90 na Alemanha não fora inocente, pois então quem era o Chanceler que estava ao lado de Reagan aquando do famoso discurso "Mr Gorbatchev, tear down this wall", em 1988? Não foram os anos 80 o "ponto mais quente" da Guerra Fria (depois dos anos 50)?
Resumindo, os partidos de esquerda do centro, e Leste, da Europa ressentiram-se (e ainda se ressentem) desses acontecimentos. Na Europa Ocidental além-Pirenéus, vivera-se antes a era do "Eurocomunismo", na qual os PCs procuraram demarcar-se de Moscovo e seguir um rumo mais "ocidental". Acabaram todos, + cedo ou + tarde, por ser varridos do mapa com (e desde) os acontecimentos de ´89. Cá, as ondas de choque não chegaram, talvez porque o PCP sempre se manteve ortodoxo e pouco dado a cedências, apesar de certas tentativas iniciais de Carvalhas, as quais acabaram por ser abandonadas. Acabou por ser 1 típica manobra de sobrevivência, perante o medo de 1 possível desaparecimento e absorção na "ala esquerda" do PS. E assim permaneceu até agora, quase como 1 relíquia de 1 sistema cuja História votou ao destino dos derrotados: ou se conformam e mudam, ou desaparecem.
Mas, é preciso ver, passaram-se 20 anos desde a desagregação do Bloco de Leste e da URSS, e está visto de que o PCP conseguiu sobreviver eleitoralmente, pelo menos até agora, o que, se formos a ver, não deixa de ser notável, depois de ver todas as suas bases de sustentação político-ideológica lá fora ruírem perante os seus olhos. Mas hoje os paradigmas são diferentes. Penso de que já não se justifica tanta hostilidade para com os restantes partidos de esquerda, tão próprio das querelas ideológicas de rua dos incandescentes anos pós-Abril. A nível de mentalidades, o PCP ainda está em 1975. E 3 décadas ainda é muito tempo para se fazer um "sprint" e mudar de um dia para o outro. Mas convinha começar a mostrar uma ligeira abertura.
Já quanto ao BE, é falsa a consideração que muita gente faz em chamar-lhe um partido infinitamente mais moderno de que o PCP, chamar-lhe-ia "indefinidamente" mais moderno que os comunistas. Aparenta não ser tão ferreamente doutrinário e ideológico (o que leva muita gente sem qualquer formação política, mas que se diz de esquerda, a simpatizar com eles) , mas esquecem-se de que este se trata de um ajuntamento de micro-partidos de extrema-esquerda, cuja formação já data dos anos 70. Não se está perante nenhum grupo de iluminados e visionários de uma nova esquerda que se decidiram a formar 1 novo partido há 10 anos atrás. Não, há ali a persistência de 1 mentalidade de cerco e de antagonismo excessivo transplantada das salinhas de reuniões dos PSRs, UDPs e Políticas 21, a qual persiste, mesmo quando parece que talvez nunca irão ter melhor oportunidade de relevarem tanto a um nível eleitoral e políticamente decisório como agora. Não basta aplicar a cosmética de caras jovens, modernas e bonitas nas televisões e no parlamento, quando há 1 certo "mofo" escondido, e não tão bem ocultado quanto isso. Esta constante retórica de terra queimada pode vir a ser muito danosa. Mais para o BE do que para o PS.
Este está, e estará, sempre protegido pela habitual abrangência eleitoral de um chamado "partido de poder". Ainda mais agora, com a ala "liberal" dos socialistas a imperar, atestada pela figura do seu actual Secretário-Geral/Primeiro-Ministro. Se o BE e o PCP continuam hostis, tanto melhor para eles, viram-se para o CDS/PP e para o caótico PSD como parceiros preferenciais. Se tal já aconteceu no passado, porque é que haveria de ser diferente agora? Não sou nenhum optimista nesse aspecto, apesar de, para já, estarmos no reino da pura conjectura e especulação. Mas este voltar de costas dá a desculpa perfeita para Sócrates. Este far-se-à aparecer como alguém que estendeu a mão à sua esquerda, e esta mordeu-o. Que chatice, lá terá ele que se entender com os partidos de direita nas questões e votações mais fundamentais e decisivas.
Perante este cenário, de nada servirá uma maioria parlamentar de esquerda, senão como um mera consolação moral para muitos, e é disso que a esquerda portuguesa tem vivido praticamente desde 1974.
E não é que, passados uns dias depois, parece que tenho razão?